Reencontros - Capítulo 14

O Uchiha caminhou com sua postura invejável e sentou na cadeira em frente ao filho. Olhos nos olhos. Negros nos negros. Ali estavam eles como sempre. Ficavam um bom tempo em silêncio, tentando compreender o que havia mudado no outro. O mais novo tentando compreender o quanto aquela cadeia havia mudado seu pai e o mais velho tentando entender o quanto sua prisão havia afetado o filho. 


A verdade é que ambos estavam destruídos, mas eram orgulhosos demais para admitir.


O matriarca colocou as mãos sobre a mesa e as algemas tilintaram contra o metal gelado. Um policial veio até ele e prendeu uma parte da algema no gancho que havia em cima da mesa, deixando-o preso. Literalmente. 


Os olhos do mais novo foram para as mãos do pai enquanto o pai observava seu filho analisando sua decadência. Sabia que o filho mais novo era um prodígio, tinha habilidade, inteligência, astúcia, mas ainda era só um menino. Nunca odiou o filho, nunca quis seu mal, mas queria que ele crescesse.


Sasuke era sua criança adorada. Aquele que ele queria que seguisse seus passos. O criou assim até ele começar a demonstrar um apego irracional a mãe. E isso tirou a paciência do patriarca. Seu menino deveria ser frio, carrasco, calculista, não aquele garotinho carinhoso e apegado a mãe, correndo para debaixo da saia dela toda vez que recebia um olhar de censura do pai. Diferente de Itachi que todas as vezes tomava a atenção para si. Tentando livrar o irmão de sua raiva e incompetência.


O problema era que Fugaku não queria Itachi.


Todas as vezes que olhava para o mais velho lembrava de como havia sofrido quando mais novo.


Todas as vezes que olhava para o mais velho, via suas esperanças indo embora.


Itachi era uma lembrança constante de que ele tentou de todas as formas mudar sua vida, mas que acabou fracassando em todas ela. Por isso o mandou para longe. Por isso o afastou logo depois que Mikoto morreu.


Ele não aceitava perder.


Mesmo que fosse para os próprios fantasmas.


- Você parece cansado. - murmurou o mais velho.


- E você mais velho. - retrucou o mais novo.


- A idade chega para todo mundo, Sasuke. - arqueou as sobrancelhas - E para você parece estar chegando bem rápido.


- É que o irresponsável do meu pai não soube ser pai. - estreitou os olhos - Estou tendo que assumir uma responsabilidade que não é minha.


- Você chora demais, Sasuke. Deveria crescer um pouco e parar de ser tão chorão. - encostou as costas no apoio da cadeira. Sabia como provocar o filho. Sempre soube.


- Sinceramente, Fugaku, você não tem o menor direito de me dar qualquer lição de moral. - inclinou o corpo para frente ainda com as mãos apoiadas sobre a mesa - Olhe para você!


- Hun... - passou a língua entre os lábios - Adoro essas suas visitas gentis. São tão cheias de amor.


- Não compreendo porque ainda venho lhe vê. - encostou as costas na cadeira.


- Porque apesar de tudo, você sabe que ainda tenho muito o que lhe ensinar... - arqueou as sobrancelhas analisando o filho - Você está acabado... O que houve?


- Nada. - resmungou, desviando os olhos. Não queria que seu pai soubesse que sua vida andava uma merda.


Mas o mais velho era inteligente demais. Apesar de não ser dado a muito afago, conhecia bem o filho. Bem demais, e sabia bem o que se passava com ele, afinal, o mesmo havia acontecido consigo. Apenas uma pessoa seria capaz de deixar um Uchiha do jeito que seu herdeiro - sim, herdeiro - estava, e ele sabia bem quem era. Vendo que o filho não iria abrir a boca, resolveu animar um pouco a conversa irritando o jovem.


- É a Sakura, não é? - perguntou tranquilo e viu quando o mais novo sentou ereto.


- Isso não lhe diz respeito. - respondeu com amargura.


- É ela sim... desde sua aproximação com ela você ficou desestabilizado... Vamos, Sasuke. Sou seu pai. Posso te ajudar. - ironizou


- Não. - olhou para o mais velho com os olhos estreitos - Não preciso de sua ajuda, afinal, você tem culpa no que aconteceu.


- Eu!? - arqueou as sobrancelhas surpreso.


- Sim! - apoiou as mãos na mesa - Se você não tivesse insistido...


- Eu não insisti em nada! - retrucou - Muito pelo contrário, apoiei até demais seu relacionamento com ela e talvez, talvez se você tivesse me dado ouvidos, eu estivesse em liberdade nesse exato momento!


- Claro que sim! - levantou e passou as mãos no rosto - Claro que você apoiou. - olhou para o pai - Tudo o que você queria era colocar ela nessa sujeira toda.


- Apenas fui racional. Diferente de você. - deu de ombros.


- Eu não vou falar sobre a Sakura com você... Você não tem coração. - resmungou se aproximando do pai.


- Me diga do que serviu seu coração, Sasuke. - esperou - Vamos, me diga! - esperou novamente mais o mais novo não respondeu - Veja como você está... Eu lhe avisei, mas você não me ouviu! Eu lhe avisei!


- GRANDE AVISO DE MERDA! - esbravejou - ME DIZ COMO É QUE FAZ PARA MANDAR NA PORRA DO CORAÇÃO, PAI! - apoiou as mãos na lateral da mesa encarando o pai - Você é meu pai então me diz... Me diz como é que faz para mandar na porcaria do coração porque tudo o que você fez foi falar pra não me apaixonar, mas não me disse como fazer isso.


- Não posso lhe ensinar tudo. - respondeu baixo encarando o filho nos olhos - Você precisa caminhar com as próprias pernas, Sasuke.


- Sempre caminhei, não é? - dá um sorriso nasalado enquanto se afasta dando as costas para o pai.


Eles ficaram em silêncio. O mais velho imaginando como seu filho havia sido acertado. Conhecia bem essa dor... conhecia muito bem... Amar alguém que não se pode ter é como levar uma punhalada no peito com uma faca cega e brasada. Com um respirar profundo, o matriarca decidiu que seu filho precisava saber de algumas coisas que até então não existiam para ele. Ele se julgava esperto e maduro o suficiente para a vida, mas ainda era só um moleque que cresceu na barra da saia da mãe e que foi mimado por ele.


Claro que ele não sabia.


Não sabia que suas férias de verão fora ideia do pai e não da mãe.


Não sabia que sua imersão na luta fora ideia do pai e não do irmão.


Não sabia que seu adorado carro fora ideia do pai e não dos amigos.


Não sabia que sua coragem, determinação e força havia herdado dele.


E continuaria sem saber.


Não queria que ele fosse afetado por isso. Não agora. Não nesse momento. Preferia contar para ele outras coisas. Deixaria essa revelação para mais tarde, porque no momento, seu filho precisava conhecer o outro lado da história. O lado nunca contado para ninguém.


- Sabe... - chamou baixo e o filho, parado no meio da pequena sala, olhou para ele - Uma vez, conheci uma garota, Sasuke. Ela era astuta, língua afiada, defensora de seus ideais, forte, determinada… E linda. Ela era muito linda. Nos tornamos amigos por acaso, e pouco a pouco nos aproximamos… - os olhos do mais velho foram para algum ponto atrás do filho, como se voltasse no tempo - Ela me mostrou caminhos que eu nunca imaginei existir, e quando dei por mim estava amando-a. – ele deu um sorriso nasalado – A única mulher que amei na minha vida.


- Minha mãe nunca significou nada, não é? – a voz do mais novo era amargurada.


- Sim, significou. – olha para o filho – Demorou, custou muito, levou tempo, mas me apaixonei por sua mãe, porém nunca deixei de amar aquela garota...



- Então porque não ficou com ela? – ele estava com raiva, muita raiva.


- Porque ela amava outro... Ela amava um filho da puta risonho, brincalhão e “amigo de todos nós”. – bufa irritado – Eu disse que a amava e a desgraçada fingiu que não tinha ouvido nada, simplesmente porque estava indo encontrar-se com o desgraçado do carinha.


- Então o grande Fugaku Uchiha foi trocado por outro. - chegou a conclusão e começou a sorrir - É bom saber disso, pai.


- Pode rir, meu filho... mas lembre-se que você está na mesma merda. - arqueou uma sobrancelha quando o filho parou de rir na hora.


- Por que está me dizendo isso agora? - balançou a cabeça - Qual a lógica?


- Porque preciso que você saiba que eu conheço a dor que você está sentindo e compreendo muito bem tudo isso. Por isso... - apontou com um dedo para a mesa - Por isso, Sasuke, que peguei tanto no seu pé!


- Rs... Não faz diferença. - deixa o corpo cair na cadeira de um jeito desleixado e joga a cabeça para trás, fechando os olhos - No fim, terminei como você.


- Você é um idiota. - resmunga jogando a cabeça para trás também.


Os dois ficaram em silêncio, com a cabeça jogada para trás, os olhos fechados e o corpo largado sobre a cadeira. Parecia que o mais velho era um reflexo daquilo que o mais novo se tornaria. Quem visse a ambos naquele momento, acreditaria que era a mesma pessoa, uma do presente e a outra do futuro.


Minutos se passaram até que o mais velho entende que está na hora de cortar aquele assunto. Seu filho precisava digerir mais do que era capaz naquele momento e por isso, decidiu mudar o rumo da conversa. Falar sobre amor era difícil para um Uchiha, principalmente quando ambos eram uns merda fracassado no assunto coração.


- Onde está o Itachi? - perguntou baixo.


- Na empresa. - respirou fundo.


- Novidade... - resmungou - O "filho perfeito". - ironizou e soltou um riso nasalado.



 - Porque você odeia tanto o Itachi? - ergueu a cabeça e sentou com postura. Não compreendia o motivo do pai odiar tanto o filho... Era notório que Fugaku não gostava do Itachi.


- Não acho que você queira saber, Sasuke. - ergueu a cabeça também de um jeito cansado.


- Pode apostar que quero. - respirou fundo - É visível sua intolerância a ele.


- Hun...


- Vamos! Me conte! - bateu com as mãos no tampo de ferro - Diga-me porque odeia o filho que mais tenta te agradar.


- Sasuke... - alertou.


- Fale logo, Fugaku! - esbravejou - Estou cansado de vê meu irmão ser ironizado!


- Tudo bem... - respirou profundamente enquanto encarava o filho nos olhos. Sabia que a informação iria destruir o seu caçula, sabia que quando abrisse a boca, Sasuke iria ruir bem na sua frente, mas ele pedia a verdade e já estava na hora daquela verdade ser exposta. O seu herdeiro precisava aprender que a vida não é como parece ser - O Itachi não é meu filho.