Reencontros - Capítulo 20

O enterro seguiu seu curso de forma lenta. Era pesaroso a forma como algumas pessoas fingiam sentir a dor dos meninos. Respiro profundamente e solto o ar de forma lenta pela boca quando sinto a mão do Sasuke apertar a minha com certa força, enquanto a primeira camada de terra caia sobre o caixão do seu pai. A sensação de dejavu me dominou de um jeito angustiante e eu acabei trocando o peso da perna, para poder permanecer ali. Por mais que o odiasse, não queria que ele estivesse sentindo o que estava sentindo agora. Era cruel ao extremo. Eu sabia disso. Eu havia sentido isso.


Pior ainda era o fato do Senhor Uchiha ter tirado a própria vida... Como ele pode fazer isso com os filhos? Não havia sido homem o suficiente para entrar nessa vida, então porque não continuava sendo homem suficiente para enfrentar os desafios?


Senti pena deles, não deveria ser nada bom saber que o pai se enforcou com a camisa que usava, mas ali estava a realidade. Cruel. Trivial. Irônico. Até um pouco egoísta. 


Quando o caixão terminou de ser coberto e a terra era apenas "arrumada", as pessoas começaram a se despedirem e irem embora. Meio deslocada, apenas meneei a cabeça quando as pessoas se despediam de mim. Em nenhum momento, ele soltou minha mão e quando restavam apenas algumas pessoas (poucas, por sinal), aliviei o aperto na mão e ele finalmente olhou para mim, ainda segurando minha mão. Os olhos negros estavam distante, opacos, vazios. Vi quando ele respirou profundamente e abriu a boca para falar algo, mas não falou.


- Preciso ir. - proferi baixinho.


- Ta... - murmurou e pigarreou.


O Uchiha permaneceu me olhando nos olhos, enquanto o mundo deixava de existir e voltava a existir rapidamente. Eu queria poder falar algo para ajudar, mas não havia nada para ser dito. Nada do que eu falasse iria ajudá-lo, então preferi dar de ombros e passei a língua entre os lábios, encabulada.


- Se cuida... - desviei os olhos rapidamente dele e voltei a olhá-lo - Tchau. - dei as costas para caminhar, mas ele continuou segurando minha mão. Me virei brevemente apenas para encontrar as orbes negras do mesmo jeito: Fixas em mim. Arqueei as sobrancelhas esperando e só depois de longos segundos paralisado, ele finalmente respirou fundo.


- Obrigado. - Sussurrou, por fim, soltando minha mão.


Pisquei algumas vezes tentando absorver o que ele havia dito, mas apenas meneei a cabeça de forma positiva e dei as costas novamente, voltando a caminhar. O pessoal estava um pouco mais afastado e quando me aproximei do grupo, eles me lançaram um sorriso carinhoso... Eu não precisava disso. Todos começaram a caminhar, mas Naruto permaneceu parado com uma carranca. Ele queria fazer algo, não era da personalidade dele ficar parado enquanto o mundo desmoronava. Me aproximo dele, suspirando.


- Vem... Vamos embora. - seguro na mão do loiro, puxando-o levemente.


- Não vou deixar o Teme sozinho. - soltou um gemido baixo.


- É exatamente disso que ele precisa. Ele não precisa de você, nem do Gaara, nem de ninguém... Ele precisa ficar só... Apenas ele e seus pensamentos.


- M-mas... E se ele precisar de alguém, Sakura? - olhou para  mim, angustiado - E se ele se sentir sozinho?


- Quando chegar a hora, ele vai procurar alguém. Porém, nesse momento, não há nada que possamos fazer... Agora vem.


Dando uma última olhada no amigo, o Uzumaki se deixou levar, sentindo-se derrotado.

- - 

- Eu não fiz o que fiz porque era o Sasuke. Eu fiz o que fiz pelo ser humano... Eu sei o quanto dói perder alguém, Tenten.  Eu sei o que ele estava sentindo, então fiz a única coisa que podia fazer e faria o mesmo com qualquer um ali. - vesti a camisa regata de forma cansada. Tenten estava penteando os cabelos para dormir.


- Tudo bem... Eu compreendo, Sakura e estou absurdamente orgulhosa por isso. - sentou na cama e me lançou um sorriso genuíno.


- Pois é. - Vesti o short de moletom e respirei fundo. Caminhei até a cama e me joguei nela, vendo a Tenten deitar também.


- Juro! - jogou a escova no criado mudo e pegou o celular - Acho fantástico você deixar tudo o que aconteceu de lado para poder apoiá-lo.


- Claro que acha... - resmungo e prendo os cabelos em um cóque - Não foi nenhum de vocês que passou pelo que passei.


- Não, mas ainda assim, você se mostrou uma pessoa forte hoje, Sakura. - Ela cruzou as pernas na cama e desbloqueou o celular - Eu não conseguiria fazer isso. De verdade. - deu uma piscadela e focou a atenção no aparelho telefônico.


O relógio apontava quase dez da noite. Peguei meu livro de anatomia cardiovascular e comecei a estudar sobre o coração. Amanhã iria participar de uma cirurgia importante e o Kisame havia me escolhido para ajudar, como recompensa por um bom trabalho durante a semana. Não vi o tempo passar até que ouvi batidas na porta. Olhei para o lado e Tenten deu de ombros sem compreender também. Olhei para o relógio e o mesmo apontava 22:35. Ótimo! Com um muxoxo, fecho meu livro e levanto indo até a porta. A Tenten sentou na cama e inclinou o corpo curiosa.

Abro a porta e dou de cara com o Sasuke. Ele estava com um blusão preto e uma calça jeans azul escura. Seus olhos encontraram os meus em um pedido mudo. Ficamos nos olhando por longos segundos. Ele pedindo ajuda e eu imaginando se deveria ajudar ainda mais. Por fim, dei um passo para o lado permitindo-o entrar e assim quem entrou, ele retirou os sapatos ficando apenas com as meias. Fechei a porta e fitei suas costas. A Tenten nos olhava com o cenho franzido e deu um sorriso sem graça.

- Iiih cara, esqueci do Neji. - resmunga baixinho levantando e pegando uma bolsa e jogando o primeiro par de roupas que encontrou - Saky, depois nos falamos. - passa por mim e me dá um beijo na bochecha - Cuida dele, por favor. - sussurra para mim.


- Tá. - sussurro de volta vendo-a abrir a porta e passar por ela. Quando escuta a porta ser fechada novamente, ele vira para mim e respira fundo antes de falar.



- O que… o que você tá fazendo? - pigarreou olhando ao redor.


- Anatomia Cardiovascular. - indico o livro em cima da minha cama. - Vou entrar em uma cirurgia amanhã então tenho que ter isso bem decoradinho. - dou de ombros.


- Hun… - ele vai até minha cama e pega o livro, os olhos negros percorrem a página com o desenho do coração e eu vejo seu pomo de Adão subir e descer - V-ocê… Você pode me explicar sobre… isso? - me olha com o cenho franzido.



- Explicar...? ... Ah! - pisco algumas vezes até que entendo o que ele realmente queria. - Posso sim.

Vou até a cama e ajeito o travesseiro ficando com as costas reta, cruzo os tornozelos na cama e bato ao meu lado indicando para que ele deite. O Uchiha sobe em minha cama e deita ao meu lado um pouco desconfortável. Pego o livro das mãos dele e respiro fundo segurando o livro em uma posição que desse para ele vê.

- Essa aqui é a veia cava superior. Por ela passa o sangue venoso que é aquele sangue rico em CO² e pobre em oxigênio. Ela que faz o dreno dos membros superiores e cabeça. A veia cava inferior, essa aqui - aponto - é responsável por drenar o sangue dos membros inferiores e abdômen. O sangue que vem das duas veias cavas passam pelo átrio direito e esse sangue é separado pela válvula tricúspide.

Enquanto estou explicando, ele mantém os olhos fixos no livro, como se estivesse prestando atenção, mas eu sei que não tá, porque em um determinado momento, o Uchiha vira o corpo na direção do meu, passa o braço por minha cintura em um abraço angustiado e apoia a cabeça no meu peito. O livro pende em minhas mãos e eu o seguro antes que caia bem na cabeça dele. Fico com a boca aberta alguns segundos enquanto vejo o peito dele subir e descer em uma respiração profunda. Mas que porcaria era aquela? Tudo bem ajudá-lo, mas aquilo era demais, não era?

Como um lampejo, lembro da minha conversa mais cedo com o Naruto "Quando chegar a hora, ele vai procurar alguém...". Com um baque, sinto a realidade pesar em mim. Ele estava procurando alguém e esse alguém era eu! Pigarreio enquanto, timidamente, passo o braço esquerdo em torno dos ombros dele para poder segurar o livro em uma posição que nós dois conseguíssemos ver a página, mesmo eu sabendo que ele não prestaria atenção em nada.

- Bem… - pigarreou novamente, desconfortável - A válvula tricúspide separa o átrio direito do ventrículo direito. O ventrículo direito é responsável pelo bombeamento do sangue na circulação pulmonar que deságua no tronco pulmonar, esse aqui. -

Indico com o dedo o tronco pulmonar no mesmo momento em que sinto algo molhado tocar meu colo exposto pela regata. Não preciso baixar meus olhos nem perguntar. Ele estava chorando. Pouco a pouco, enquanto continuava explicando sobre a anatomia do coração, eu sentia as lágrimas silenciosas dele molhar meu colo, mas eu não parei, nem perguntei, nem demonstrei… Apenas continuei a explicação. Eu sabia que ele era orgulhoso, mas também sabia que ele estava sendo forte desde o momento em que soube da morte do pai, então chegaria o momento em que toda aquela força iria esvair e ele iria cair no escuro. Eu sabia como era a dor da perda. Era sufocante, humilhante, imponente, te levava ao ponto mais alto para então te deixar cair nem uma queda livre e sem amparo… eu havia perdido meu pai, mas ainda tinha minha mãe, mas ele… ele não tinha mais. E isso deveria ser assustador.

Seguro o livro com apenas uma mão enquanto a outra levo aos cabelos negros do Sasuke e começo a fazer um cafuné suave, e isso o faz soluçar uma única vez, alto, angustiado, pesaroso. Os minutos vão passando enquanto continuo minha explicação e o cafuné, e ele vai se entregando ao cansaço, a tristeza e ao peso de tudo que estava caindo sobre suas costas. Um bom tempo depois, percebo que as gotas haviam parado de cair sobre meu colo e ele tinha uma respiração lenta. Inclino a cabeça para o lado e vejo que o mesmo tinha dormido. Com cuidado, fecho o livro e o repouso na mesinha de cabeceira. Levo uma mão até o rosto dele e seco-o, limpando dalí os vestígios das lágrimas que ele havia derramado, restando apenas as pálpebras molhadas e vermelhas. Jogo a cabeça para trás e respiro fundo olhando para o teto sabendo que estava malditamente esgotada.