Projeto Ampulheta - Capítulo 35

Estava cansada, sentada no sofá com as pernas para cima, apoiadas na mesinha de centro. Ao seu lado direito uma tigela com pipoca de microondas, ao seu lado esquerdo uma garrafa com suco, ao lado do suco uma barra de chocolate e em seu colo, encostado na barriga que destacava-se com seus quase quatro meses, um prato com bolo de brigadeiro e cobertura de morango. O filme que passava na televisão era de terror e a casa estava em total escuridão. O barulho da tv ecoava pela casa silenciosa enquanto a única luz que iluminava o ambiente era a da lua que adentrava pela porta de vidro que dava acesso a área externa da casa.


- Na boa, miniatura, depois que você nascer vou ter que fazer uma dieta daquelas. - resmungou olhando para a barriga enquanto levava uma garfada à boca - Você vai me fazer explodir... E tenho certeza que essa barriga não é você e sim gordura. - levou outra garfada e respirou fundo. Soltou o garfo no prato e com o dedo indicador, cutucou a barriga - Coisinha esfomeada... Você é bem filhote do seu pai mesmo, viu!


Parou de cutucar a barriga e voltou a assistir. Deixou o prato de lado e pegou um pouco de pipoca, comendo. Andava sentindo uma fome descontrolada. Julgava ser a fome que fazia a barriga crescer tão depressa, afinal, a da Hinata havia demorado a aparecer, mas ali estava ela, com um barrigão exibido que só fazia crescer a cada dia. Havia ido na obstetra mais cedo e a mesma disse que a Haruno havia engordado pouco, dando como decreto que a barriga enorme era por conta do bebê que crescia saudável.


Saudável era algo que ela não ia ficar se continuasse comendo daquele jeito. Ainda ontem teve vontade de comer peixe. PEIXE! Logo ela que odeia frutos do mar. Mas tenta dizer "não" para uma grávida com desejo que você vai vê a confusão que é. Sobrou pro Naruto ir comprar no meio do expediente. Claro que ela devorou tudo, só faltou comer a embalagem... E claro que ela vomitou até o primeiro mingau que tomou. Depois de vomitar até a dignidade, a Haruno saiu do banheiro do laboratório revoltada jogando a culpa no Uzumaki que já estava ficando doido com duas grávidas na sua vida. 


Agora imagine um loiro com olheiras, descabelado, enlouquecido e junte tudo isso ao Naruto. Pois é... Anteontem ele foi trabalhar usando a calça do pijama. Segundo a Hinata, ele teve insônia... Segundo o Naruto, a Hinata passou a noite toda se remexendo, tentando encontrar uma posição confortável.


E bem, a Haruno entendia perfeitamente a Uzumaki. Coloque uma bola de basquete em sua barriga e tente dormir. É basicamente esse o efeito só que junte isso a azia, gases e fome... MEU DEUS! ERA FOME DEMAIS!


Sem falar que o bebê da Hinata chutava igual um lunático. Todo dia era festa no apê, a coitada já não aguentava mais. O idiota do Naruto só se orgulhava disso...Um menino! Sinceramente? A Haruno orava todos os dias para que o garoto não puxasse ao pai... Seria como um desastre nuclear.


Falando em ser como o pai, ela também pedia para que seu bebê fosse gentil e amável como o pai... E que possuísse a mesma beleza, claro... Seria justo né? Ela estava carregando a miniatura em sua barriga, estava comendo igual um hipopótamo, vomitando igual uma porca, tendo desejos inexplicáveis... Era justo que como recompensa seu bebê fosse a cara do pai.


Há três dias atrás o Shikamaru foi fazer umas compras com a Haruno. Disse que estava na hora de ela começar a comprar as coisas do bebê porque quando menos se espera, PAH! A miniatura já nasceu... Era um bom plano, ir ao shopping, comprar algumas roupinhas, coisas para o quarto e voltar, mas todo o plano foi por água abaixo quando passaram em frente a praça de alimentação e a boca da Haruno salivou, SA-LI-VOU, quando ela sentiu o cheiro de uma pizza vegana.


Pronto... Foi a tarde toda provando de todos os sabores da pizza de mato.


O pior?


Ela era 100% carnívora.


Shikamaru também.



Coitado, teve que aguentar a Haruno comendo até o balcão do lugar e no fim, correr para o banheiro para vomitar tudo. Acabou o dia, acabou a ideia de fazer comprinhas e tudo o que restou foi uma grávida triste por ter colocado toda a comida para fora...


No trabalho a coisa andava meio descontrolada. Kabuto andava pressionando a Haruno quanto a máquina, mas todas as vezes que ela perdia a paciência, fingia estar passando mal, dizendo que a pressão estava mexendo com sua saúde e tudo o mais. Semana passada até havia fingindo um desmaio quando ele entrou na sala de surpresa alegando querer um relatório detalhado dos avanços da máquina.


A Haruno acabou pegando um atestado de três dias.


O que ela fez nesses três dias? Aproveitou a folga para sair com o Kiba. Ele estava precisando de uma opinião feminina para a compra de alguns itens para a nova casa. A Tata encontrou eles na metade do dia e isso deixou o Inuzuka meio perdido, afinal, tratar com uma mulher ansiosa pelo casamento já era ruim, agora tratar com uma ansiosa pelo casamento e uma esfomeada/ansiosa/descontrolada pela gravidez era um nível avançado de desafio à paciência.


O coitado terminou o dia com uma baita enxaqueca.


A Haruno até se prontificou em ficar e ajudar a cuidar dele, tadinho. Seu amigo já havia feito tanto por si, mas o Kiba rejeitou na mesma hora, alegando que ela precisava descansar e como se o destino estivesse à favor do Kiba, o Shikamaru apareceu de surpresa no apartamento do amigo e sobrou para ele, acompanhar a grávida Haruno até sua casa. 


Todo o problema foi que no meio do caminho ela teve uma crise-existencial-de-ausência-de-Sasuke-Uchiha. Era o nome que a Ino deu a "doença" que se chamava saudade e aparecia na vida da Haruno do nada, fazendo ela ficar deprê por horas ou até mesmo dias. Era sempre assim. A ausência dele junto com os hormônios afetava a mulher de um jeito inexplicável.


Todos diziam que ela era uma grávida fora dos padrões, mas ao mesmo tempo muito dentro deles. Confuso? Pois é... igual a gravidez dela.


Já estava levando o suco à boca quando sentiu um aperto na boca do estômago, uma falta de ar e então o gosto amargo na boca. Desesperada, a Haruno levantou rápido e correu pela casa, escada à cima, mas só teve tempo de chegar no primeiro cômodo da casa, abriu as portas e correu até o banheiro, vomitando tudo o que havia comido.


Inclinada sobre a privada, ela sentia as contrações do vômito e a comida saía com muita facilidade. Os olhos encheram de lágrimas e depois de um tempo, ela respirou fundo, levantando a cabeça. Apoiou as mãos na pia e apertou a descarga. 


Estava cansada. Muito cansada. Com dificuldade, ligou a torneira e lavou o rosto, depois lavou a boca e aproveitou para passar as mãos molhadas nos cabelos. Não aguentava mais colocar tudo o que comia para fora. Era insuportável isso. 


A Haruno ergueu a cabeça e mirou o próprio reflexo no espelho, respirou fundo algumas vezes e decidiu ir escovar os dentes, mas ao sair do banheiro, percebeu onde estava. O quarto continuava do mesmo jeito, ela fazia questão de deixá-lo assim. Era o quarto dele. Entrava ali apenas para limpar e mais nada. Não havia mudado nada de lugar. 


Caminhou lentamente pelo quarto até parar ao lado da cama. Lentamente sentou na beirada da mesma e deslizou a ponta dos dedos pela cartola que jazia sobre o criado mudo. Junto a cartola estava a carta, com sua letra caprichosa, com suas revelações esmagadores. Não percebeu quando os olhos embaçaram e transbordaram lavando o rosto dela com lágrimas que doía enquanto caíam. A saudade que sentia dele era tão sufocante que respirar se tornava difícil.


Ela abriu a boca para respirar, mas o que saiu foi um soluço alto o suficiente para ecoar pelo quarto e baixo o suficiente para não alcançar os ouvidos do amado. Girou a cabeça e olhou para o guarda roupas onde todas as roupas que ele havia usado continuavam intactas. Levantou e caminhou até lá, pegou uma camisa e levou ao nariz, respirando fundo, sentindo o cheiro dele que ainda permanecia impregnado naquele ambiente.


Instintivamente, abraçou a camisa enquanto voltava para a cama. Subiu na mesma e deitou, apoiando a cabeça no travesseiro que ele usava, sentindo o cheiro dele ainda mais. Enquanto as lágrimas escorriam, ela fechava os olhos e levava uma mão à barriga. Era loucura o que haviam vivido, mas a melhor loucura que já existiu em toda a vida. Ele havia marcado-a de um jeito que ninguém nunca seria capaz e de quebra, ainda havia deixado uma parte dele consigo, para cumprir aquilo que ele havia dito: ... me prometa que ficará bem. Que vai ser feliz. Que vai formar a sua família... Você é perfeita demais para ficar sozinha num mundo tão cruel... 


- Sasuke... - Sussurrou acariciando a barriga e olhou para o lado, vendo o porta retratos onde havia colocado uma foto dele, a foto que tiraram no zoológico. Deu um sorriso triste enquanto as lágrimas escorriam pelo rosto - Veja, meu amor... Nossa família. - sussurrou - Nosso bebê.