Gypsy - Fagulha 7

Paralisada.


Era assim que estava já fazia alguns segundos. Os olhos negros brilhavam em sua direção enquanto o peito dele subia e descia em uma respiração ofegante. Não conseguia compreender porque todas as vezes que ele falava "Rom" ela se arrepiava. Aquilo não era normal. A voz grave e levemente rouca causava um frenesi em todo o sistema nervoso da cigana que quando juntava com o olhar penetrante e a postura viril, tornava-o perigoso e atrativamente sexy. 


Santo Hefesto!


Ela deu um passo para trás tentando manter o máximo de distância possível daquele homem que ainda a olhava profundamente. Ao perceber que ela havia se afastado, a respiração dele vacilou e ele ficou ainda mais ereto, como se tentasse se proteger de qualquer ameaça que ela pudesse representar para si.


- Não vai dançar? - perguntou baixo, já sabendo a resposta. Ela permaneceu calada enquanto olhava para ele. Ele esperou pacientemente, mas ela nada lhe falou - Por que não fala comigo, Rom?


"Rom".


Mais um tremor tomou conta do corpo dela. Só poderia estar ficando louca. Precisava analisar as cartas, mas como iria fazê-lo? Eles haviam tomado tudo o que era seu sem nem ao menos consultar sua vontade. Meneou a cabeça de forma negativa. Ainda não se sentia segura para conversar com ele e ofegou quando ele ergueu a mão para tocar no lenço que cobria seu rosto. Frustrado, ele bufou baixando a mão em forma de punho e olhou para o lado. Sabia que ela estava com raiva de si, mas o que podia fazer? Libertá-la talvez, mas não conseguiria. Um dia, e ele já havia se tornado dependente de tê-la por perto. Precisava daqueles olhos verdes e marcantes olhando para si todo santo dia.



- Tudo bem... - murmurou e olhou ao redor. O jardim pouco iluminado, dava a eles a privacidade necessária para conversar, mas a cigana que segurava na saia com força tentando de alguma forma se proteger dele, não havia reparado na calmaria do lugar. Seus olhos apenas capturavam cada simples movimento do Sheik, como se a qualquer momento ele fosse virar e atacá-la ali mesmo. Ainda olhando para uma direção contrária a dela, ele respirou fundo tentando controlar a frustração. Precisava compreender que a situação dela era difícil - Só... quero que você saiba que não lhe farei nenhum mal.


Silêncio...


Ele virou para ter a certeza de que ela ainda estava lá, e ela estava. Parada. No mesmo lugar. Olhando-o tão profundamente que ele sentiu como se sua alma fosse invadida. Os olhos negros estavam curiosos. Como ela seria por debaixo daquele véu? Como seria seu sorriso? E sua voz? Ou até mesmo seu nome? Um misto de curiosidade rondava o Sheik enquanto ele tentava desvendar qualquer coisa a respeito dela apenas com o que conseguia absorver. Certamente era uma cigana de gênio forte. Decidida. Destemida. Os olhos verdes e aguçados deixavam claro que na primeira oportunidade ela escaparia.


Mas ele conseguiria deixá-la ir?


Talvez devesse.


O que fez não foi correto... Ao menos era o que algumas pessoas diziam.


Ela o odiava e isso era um fato, mas ainda assim, preferia conviver com isso a não ter mais aqueles olhos faiscantes em sua direção imaginando mil e uma formas de matá-lo. Ele deu um pequeno sorriso de canto e balançou a cabeça. Ela não conseguiria matá-lo, não de forma justa. Frente a frente. Mas quem sabe do que uma cigana é capaz? Ela deveria conhecer misturas que virariam veneno com muita facilidade... É... talvez devesse começar a tomar cuidado com tudo o que ingeria. Com um suspiro cansado, ele olhou por sobre o ombro dela vendo as portas do salão que davam acesso a festa. Provavelmente as pessoas já haviam notado sua ausência. Era melhor voltar para lá.


- Tudo bem, Rom... Que seja do jeito que você desejar. - caminhou um pouco e parou próximo a ela, olhando-a nos olhos - Eu só queria saber o seu nome. Pode me dizer ao menos isso? - pediu baixinho, como se precisasse daquela informação. 


Os olhos verdes cintilaram como brasas enquanto devolvia o olhar. Ele queria saber o seu nome, queria informações suas e ela não estava disposta a dar ao bandido o ouro de bandeja. Ele merecia sofrer, mesmo que fosse de curiosidade. Os cabelos compridos dele balançaram quando uma leve brisa passou e ela viu uma pequena cicatriz próximo ao ombro dele, bem à cima do trapézio. Um corte fino, de aproximadamente cinco centímetros. Estava distraída e só voltou para a realidade quando ele pigarreou. Os olhos verdes voltaram para os olhos negros e desistindo de tirar qualquer informação dela, ele fechou os lábios em uma linha fina, frustrado, deu as costas e começou a andar.


Já estava a alguns metros quando, sem saber o motivo, ela deu dois passos à frente na direção dele e em um tom que apenas ele pudesse ouvir, ela o respondeu.


- Sakura.


Ele paralisou.


Virou em câmera lenta.


Desacreditado.


Incrédulo.


Olhou-a atordoado enquanto a via parada ofegante, como se tivesse corrido uma maratona. Ficaram se olhando por um tempo de um jeito tímido e desafiador ao mesmo tempo. Como um delicioso jogo de xadrez onde qualquer detalhe é importante e não pode-se deixar passar. Um pequeno sorriso de canto se formou nos lábios masculinos e ele meneou a cabeça de forma positiva.


- Sakura. - repetiu o nome dela. 


A cigana arrepiou-se ao ouvir seu nome sair da boca dele. Se era incrivelmente sexy o "Rom" naquela voz grave e rouca, ouvir "Sakura" saindo da boca dele era como ouvir Zeus proferir uma benção. Atordoada, ela o viu menear a cabeça novamente, dar as costas e seguir de volta para o salão, dessa vez com um caminhar leve, como se estivesse totalmente satisfeito por alguma coisa que ela ainda não conseguia decifrar.


Ao ver o homem entrar no salão, o ar em volta de si passou a circular e só então ela se deu conta de que respirava com dificuldade, como se estivesse prendendo o ar ou estivesse rarefeito. Com um arquejar suave, ela pigarreou e passou as mãos no véu, ajeitando-o depois respirando fundo algumas vezes, seguiu na direção do salão também. Caminhou destemida até chegar próximo a porta, mas o leão albino, parado ao lado da porta a fez parar. Os olhos azuis do animal a miraram com afinco e quando os olhos verdes olharam nos azuis, o animal deu um passo na direção dela. De forma cautelosa, ele deu mais um passo para frente e ela deu um para trás até que estava próximo a um pilar. 


- Stan. - uma voz grossa vibrou em algum lugar.


Com um susto, a cigana olhou para o lado vendo os olhos negros e brilhantes olhando-a com certa diversão enquanto o  moreno encostado na parede ao lado da porta, meio encoberto pela pouca luz, parecia divertir-se com a ideia de seu leão ter assustado a jovem. Ela piscou atordoada olhando do homem para o leão albino. O felino estava parado, à poucos metros da cigana, os olhos atentos, as narinas dilatadas. Apesar de aparentar calma, ele estava pronto para atacar quando a ordem fosse dada.


- Avan. - a voz dele soou novamente e o leão voltou a caminhar lentamente, como se estivesse se aproximando de uma presa. A cigana deu um passo para trás até que suas costas bateu contra o pilar, ficando encurralada. - Stan. Hadin. - Automaticamente, o leão parou e sentou.


Ela engoliu seco, ofegante. Percebeu a movimentação ao seu lado e ao olhar na direção, viu o moreno caminhando até si, parando a menos de meio metro de distância. Ele apoiou uma mão no pilar, ao lado da cabeça da cigana e inclinou o corpo, ficando com o rosto próximo ao dela.


- Não tenha medo, Rom. Este é o Simba*. - ele olhou para o leão - Avan, Simba. - olhando para o dono, o leão caminhou até onde eles estavam e parou em frente a Rom. Erguendo o focinho, ele tocou na mão do moreno quando o mesmo ergueu minimamente a mão e acariciou desde o focinho, até a cabeça do leão - Simba, esta é a... - olhou para a Cigana.


A jovem ainda olhava para o leão. Estava encantada. O modo como o homem parecia ter intimidade suficiente com o animal deixou ela estarrecida... E fascinada! Queria poder ter tanta intimidade assim com o animal. Ergueu os olhos para os olhos negros e prendeu a respiração por tê-lo tão perto, olhando-a tão fixamente. Ele aguardava sua resposta pacientemente, enquanto parecia se divertir com o fato de ela estar maravilhada com seu leão.


- Sakura. - sussurrou. Não entendeu o motivo de ter dito seu nome com tanta facilidade. Diferente do outro moreno, esse parecia trazer um pouco mais de tranquilidade para si, como se ele fosse algum ponto onde ela pudesse se apoiar.


- Sakura. - repetiu e o leão farejou as vestes da mulher - Vamos, Sakura. Dê sua mão para que ele lhe conheça. - ela olhou para o leão, mas não teve coragem suficiente para fazer o que lhe era pedido - Vamos... Não precisa ter medo. - indicou o leão, mas ela permaneceu paralisada. Com sutileza, ele segurou o punho dela, sentindo a jovem retesar diante do seu toque, mas ela não o afastou. Ele ergueu a mão dela minimamente e o leão encostou o focinho gélido e molhado na palma da cigana, reconhecendo-a.


- Santos Zeus! - sussurrou enquanto um sorriso começava a desenhar os lábios escondidos pelo lenço. Estava tão encantada com o leão cheirando sua mão que nem percebeu quando o moreno soltou sua mão e passou a olhar para ela, encantado com os olhos verdes e brilhantes que pareciam dançar diante do seu amigo mais fiel. Ela era como um enigma para os três irmãos, mas para ele, ela era como uma bela pintura, pronta para ser admirada e desvendada, de forma inútil, claro, porque no fim das contas, o pintor tinha uma ideia totalmente diferente da que todos pensaram.


- O Simba é tímido, por isso não tente a paciência dele.


- Uhum. - murmurou ainda olhando para o leão. A verdade é que estava encantada. Agora que o felino lambia sua palma, ela sentia a língua áspera e quente roçar contra sua pele enquanto uma mistura de coragem e medo percorria por sua veia, fazendo com que ela soltasse sorrisos nervosos.


Ele permaneceu olhando para ela, encantado. Ergueu sutilmente a mão até o rosto dela e tocou com a ponta dos dedos no véu, o que fez com que a cigana olhasse rápido para ele, assustada. No mesmo instante afastou a mão do leão e se colocou em alerta. Os olhos negros cintilaram diante da reação dela, não queria que a cigana sentisse medo de si, nem nada parecido, ele não era como os irmãos e não iria forçá-la a nada.


- Eu só queria lhe vê. - sussurrou.


Ela apertou os lábios debaixo do véu. Não queria mostrar-se para ele nem para ninguém. Não tinha confiança, nem segurança, nem queria colocar sua própria segurança em risco, mas ele permanecia olhando-a com tanta determinação, como se dependesse daquilo para respirar que quando deu por si, já estava meneando a cabeça de forma positiva para que ele a visse. Santo Hefesto, só podia estar maluca. Mas talvez fosse justo, ele lhe apresentou ao seu melhor amigo, seria justo ele vê-la, não seria?


O moreno ergueu novamente a mão e segurou no véu dela, sentindo a maciez do tecido. Ele puxou o véu com delicadeza e ficou admirado pela forma como a seda deslizava pela pele do rosto dela, revelando milimetro por milimetro a pele rosada e leitosa da cigana. Quando o véu finalmente saiu do rosto, ficando pendurado no pescoço dela, ele ofegou lentamente, esbugalhando os olhos e seu queixo caiu com a surpresa. Sabia que a Rom era bela, mas ela era mais que isso, ela era a perfeição esculpida pela natureza, como se tivesse sido criada com os sonhos dos homens e Allah havia realizado a todos em uma única criatura.


- Allah. - susssurrou.

Notas Finais:

Stan = Pare.

Avan = Ande

Hadin = Sente.

Simba = Rosângela que escolheu o nome '-'. Rosangela é uma amiga do trabalho.