Pelotão 28 - Capítulo 8

Olhou ao redor e teve vontade de praguejar pela iluminação baixa. Não era nada bom operar praticamente no escuro. Foi até a parte de higienização e lavou as mãos com cuidado. Seguiu até onde estava a Eva esperando com um jaleco verde nas mãos. A médica vestiu o jaleco e percebeu que a enfermeira tremia muito. Colocou a máscara e as luvas, seguiu até onde estava o Uchiha e viu que ele já estava pronto, a mesa com os equipamentos estava aposta. Olhou ao redor e viu todos apenas aguardando a ordem da médica.

- Eva? - olhou para a morena que tinha as mãos juntas em frente ao corpo - Vá descansar.

- M-mas… - a enfermeira deu um passo à frente tentando questionar.

- Sem protesto, Eva. Suas mãos estão tremendo e a última coisa que o Capitão precisa é sair daqui com a sutura parecendo a do Frankenstein.

A enfermeira deu uma olhada demorada para o homem desacordado e respirou fundo tentando controlar o bolo que subia pela garganta. Que Kami não permitisse que ele morresse. Olhou para a médica e acenou de forma positiva com a cabeça, já a médica voltou os olhos para o restante da equipe que continuava esperando as ordens.

- Eu preciso saber se estão todos dispostos a arriscar as carreiras nesse momento. - Os enfermeiros e o Lee se entreolharam e então acenaram de forma positiva - Ótimo. Então vamos salvar esse homem… Ou matá-lo de vez. - resmungou a última frase. Estendeu a mão direita para a Ino - Bisturi.

A loira pegou o bisturi e entregou na mão da médica que segurou a lâmina com uma firmeza invejável e respirou fundo. Apoiou a mão esquerda na bolha de contenção e levou o bisturi ao início dela. Um corte longo e preciso foi o suficiente para a bolha rasgar e o tórax do moreno ficar exposto. O sangue contido na bolha escorreu e os enfermeiros foram rápidos em limpar aquilo. Uma vez que o sangue havia sido contido, ela seguiu abrindo mais o peito do Capitão. Todo o tempo parecia passar em câmera lenta.

Estendeu o bisturi para um enfermeiro e chamou o Lee com uma mão. Quando o médico se aproximou, ela percebeu que ele tinha prendido a respiração diante do que viu: A 5ª, 6ª, costela do Uchiha estavam quebradas e a  7ª e 8ª costela estavam praticamente esmagadas. O pulmão direito estava perfurado pelo fragmento da 7ª costela. Inclinou a cabeça para o lado a fim de vê melhor, mas precisava abri-lo mais.

- Vou precisar de lâmina 7. - estendeu a mão para o lado ainda olhando o ferimento quando sentiu a lâmina ser colocada em sua mão. Apoiou a mão esquerda no ombro direito dele e apoiou a lâmina no início da clavícula e mais uma vez, com um corte preciso ela abriu a pele dele do ombro até o início do esterno.

- Já viu algo assim? - ergueu os olhos verdes para o médico à sua frente.

- Em alguém vivo? Nunca. - foi sincero.

Ele estava muito machucado, sua carne estava bem machucada, sem falar nas partes que faltavam. Ela fechou os olhos por uns segundos tentando criar um cronograma para aquele homem. Primeiro o pulmão, ele precisava ter sua respiração garantida. Depois suas costelas, precisaria ajeitar aquilo ao máximo, sem falar que também iriam precisar de um ortopedista o mais rápido possível. A clavícula precisava ser colocada no lugar e os ossos levariam alguns pinos. O braço direito estava com cortes profundos e quebrados em três lugares. Ainda tinha o abdômen que ela não tinha visto como estava, mas pelo estado do Uchiha, julgou estar ruim também, mas por hora iria preocupa-se com os pulmões. Abriu os olhos já tendo em mente tudo o que fazer.

- Duas pinças. - estendeu a mão para o lado e o material lhe foi entregue - Lee, já procurou agulha num palheiro?

- Não.

- Hum… - ela estendeu uma pinça para o médico que pegou - Então vamos brincar juntos. Preciso de coletores aqui… vamos catar os fragmentos de ossos pelo pulmão e depois pelo restante do tórax. Quero todos preparados com gazes, mais perfuros e com os equipamentos próximos… - olhou para a luminária - Preciso dela mais perto também.

Todos os pedidos foram atendidos e logo começaram a coletar os fragmentos dos ossos. Um trabalho minucioso e preocupante. Todos alí pareciam manter a atenção em cada ação feita pelos médicos e os enfermeiros mantinham-se atentos e prestativos. Duas horas já haviam se passado quando finalmente haviam retirado os fragmentos, colocado a clavícula no lugar e as costelas também, mas agora a médica dedicava-se a recuperar o pulmão. Havia cauterizado, analisado e agora costurando. Ela aplicava naquele ato toda a perícia que conhecia e agradeceu aos céus por ter tido uma das melhores notas em sutura.

Enquanto ponteava minimamente o Capitão, ela não ergueu os olhos uma única vez. Não reclamou da posição desconfortável nem desviou do foco. Ela havia entrado alí com a intenção de salvá-lo e só sairia dali quando concluísse o ato. Os enfermeiros já haviam feito a primeira troca, mas ela continuava e agradeceu aos céus por Lee ser tão insistente quanto ela. Finalmente o braço dele estava no lugar, engessado e pronto para ser imobilizado.

Cinco horas já haviam passado, o pulmão finalmente havia sido costurado e agora ele tinha o tórax aberto até a altura do umbigo, e ela fora bem cuidadosa no corte, escolheu cortar bem onde ficava os pelinhos da barriga, isso serviria, pois, quando os pelos voltassem a crescer a cicatriz seria quase imperceptível. Estava analisando os intestinos quando ouviu o monitor cardíaco mudar o ritmo para um “pi-pi-pi” frenético. Todos os olhos haviam ficado esbugalhados e pela primeira vez desde quando entrara ali ela ergueu os olhos para o monitor. Primeiro ele acelerou os batimentos e como se estivessem numa queda livre, os batimentos caíram com sua frequência.

- Merda! Merda! Merda! - murmurou enquanto largava os afastadores nas mãos de um enfermeiro - Ele desfibrilou. Rápido, quero em 200.

- Sakura! - Lee a chamou enquanto entrava na função de fazer uma massagem cardíaca - Ele tá baixando… - mostrou com a cabeça o ritmo de adrenalina do Uchiha despencar.

- Droga! Nora. Quero um Nora de 9. - A adrenalina foi aplicada no soro e as pás do desfibrilador lhe foram estendidas. Ela aproximou do peito dele. - Afasta!

Exigiu e quando Lee tirou as mãos do peito do Capitão ela disparou a primeira carga. Todos dentro da sala ficaram breves segundos esperando alguma reação do moreno e quando esta não veio, Lee recomeçou a massagem enquanto a Doutora estendia as pás para Ino que já colocava gel.

- 220. – pediu e logo foi atendida, quando o desfibrilador estava pronto ela aproximou dele – Afasta. – todos afastaram e ela deu mais um choque. - Vamos lá… Você tem que aguentar. - murmuro enquanto via Lee voltar a fazer a massagem cardíaca no moreno - Não morra. Não morra. Não morra. - sussurro vendo a vida dele se esvair alí.

Os segundos que ele passava desacordado eram como milhares de anos e para um paciente cada segundo era importante. Todos alí estavam empenhados em trazer o Uchiha de volta enquanto a médica sentia o peso da responsabilidade sobre suas costas. Ela fora para lá com o intuito de dar uma chance de vida para aqueles homens... Pegou as pás do desfibrilador novamente e mandou recarregar. Enquanto ouvia a máquina apitar, ela apoiou as pás no peito do Capitão e na sua cabeça vinha apenas o rosto do Major Jiraiya, do Tenente Hatake, da Enfermeira Eva e do Capitão Uzumaki com aqueles olhos azuis acusadores.

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Quase seis horas depois ela saiu da tenda e deparou-se com o capitão sentado em uma pedra do lado de fora do posto. Respirou fundo quando viu que ele estava com os ombros “caídos” e a cabeça baixa, as pernas estavam separadas e os braços apoiados nas coxas. Caminhou lenta até ele e levou uma mão ao ombro masculino com certa calma, mas mesmo tocando-o tão leve, foi capaz de sentir o músculo desenvolvido e o trapézio tensionado. Ele olhou para o ombro e viu os dedos finos apoiados alí, subiu o olhar e se deparou com os olhos verdes olhando-os de forma serena.

Lentamente, foi ficando com postura até que levantou por completo e virou fazendo com que a mão da médica saísse de seu ombro e a diferença de altura entre eles ficasse clara. Ela levou as mãos ao bolso do jaleco e ele respirou fundo com medo do diagnóstico do amigo. Mais uma vez ela respirou fundo e ergueu a cabeça para poder olhá-lo nos olhos e dar o diagnóstico final.

- Não deveria ter estado aqui por tanto tempo. – sua voz saiu baixa e cansada.

- Não poderia ir. – a voz dele também era baixa, mas ao contrário da voz da médica, a dele era angustiada – Não posso abandonar um amigo em campo.

- Seu amigo não estava em um campo de batalha, Capitão.

- Ele estava sim, Doutora... Mas a luta dele era pela própria vida.

- Tenho que concordar, mas ficar aqui esperando por tanto tempo não mudou em nada na cirurgia do Uchiha.

- Engano seu, Doutora... Tenho certeza que ele sabe que estou aqui por ele, porque se fosse eu lá dentro, ele estaria aqui por mim. – os olhos azuis foram para algum ponto atrás da doutora e ela viu ele respirar fundo – Só me diga que ele ficará bem.

- Bem… - pigarreou - Tivemos complicações sérias, muito sérias, e eu não sei lhe dizer quais as consequências dela, mas no fim das contas seu amigo resistiu… Ele é um homem muito forte.

- Sim… Ele é. - o loiro respirou fundo e lento. A médica viu o pomo de Adão dele descer e subir. Ele fechou os olhos e respirou fundo novamente.

- Vá descansar, Capitão Uzumaki. -a voz dela ainda era tranquila, mas tinha um “quê” de preocupação, isso fez com que o loiro abrisse os olhos-  Não é nada bom forçar seu corpo tanto… Desde que voltou do campo de batalha você não sai daqui. Sem falar que o Uchiha precisa descansar então você não poderá vê-lo agora.

- Tudo bem.- pigarreou.

- Boa noite, Capitão. - fez um aceno com a cabeça.

- Boa noite, Doutora. - ele devolveu o aceno e ela lhe deu as costas.

Enquanto a médica caminhava de volta para a tenda, ele mantinha os olhos nela de forma analítica. Quantas vezes já havia julgado a mulher por ela lhe parecer jovem demais, pequena demais e frágil demais? Fora muito idiota por duvidar dos talentos dela quando a mesma apenas havia mostrado que era capaz. Sentiu sua consciência brigar entre o orgulho, o arrependimento e a gratidão e no fim restou apenas o respeito pela mulher. Apesar de tudo, ela havia salvo seu amigo. Respirou fundo tomando coragem e fechou os olhos brevemente enquanto sua boca a chamava de forma automática.

- Doutora Haruno?

- Sim? - ela já estava com uma mão na porta de lona do posto quando ouviu seu nome ser proferido, então virou com as sobrancelhas arqueadas.

Ele não falou nada, em vez disso juntou os pés, levou a mão esquerda ao lado do corpo e a mão direita foi até a têmpora em uma continência invejável. Resolveu agradecê-la da forma mais respeitosa que sabia, porque no fim das contas ele não precisava falar. A médica por sua vez, piscou atordoada, mas então se recompôs e lhe dirigiu um sorriso genuíno agradecendo pela confiança e respeito que ele acabara de demonstrar. Aquele gesto significou muito para ambos. Alí ele dizia que a respeitava, que era grato e que confiava nela. Cegamente.

~> Continua